terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Cem Anos de Fogo


Um povo composto por cerca de 15 milhões de pessoas, que se reúnem em mais de 60 mil templos espalhados por todo o Brasil. A cada domingo, é possível vê-los a caminho da casa do Senhor, seja nas grandes metrópoles do Sudeste ou nas mais isoladas comunidades ribeirinhas da Amazônia. Tanto, que se fosse um país, a Assembleia de Deus estaria entre as 60 maiores nações mais populosas do planeta. Pode-se dizer, sem medo de errar, que de cada três crentes brasileiros, um é assembleiano. Um imenso rebanho, conduzido por mais de 150 mil pastores e ministros do Evangelho. Gente de todos os tipos, com as mais diversas origens, características étnicas e padrões sociais. Tanta diversidade e disseminação geográfica, contudo, não tiram da Assembleia de Deus uma característica bem peculiar: a unidade em Cristo. Não importa o tamanho do templo ou a condição financeira da comunidade: em qualquer prédio onde haja um letreiro com as palavras “Assembleia de Deus”, seja em neon luminoso ou pintadas a mão, o visitante sabe que encontrará a pregação da genuína Palavra de Deus. E gente disposta a recebê-lo com um sonoro “a paz do Senhor, irmão!”




Tem sido assim nos últimos cem anos, desde que os pioneiros Gunnar Vingren e Daniel Berg desembarcaram em Belém do Pará imbuídos do propósito de ganhar almas para Jesus. Alicerçada nas Sagradas Escrituras e crendo no poder pentecostal, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus (AD) alargou suas fronteiras como nenhuma outra instituição religiosa deste país, salvo a Igreja Católica Romana, que chegou ao país com quatro séculos de antecedência. Aliás, falar em pentecostalismo no Brasil é falar obrigatoriamente da Assembleia de Deus, a denominação que mais tem proclamado a obra contemporânea do Espírito Santo. De 1911 aos dias de hoje, gerações de crentes passaram por seus templos, solidificando um gigantismo que foi fundamental para elevar o país à condição de segunda maior potência evangélica mundial. Agora, às portas da comemoração do centenário, assembleianos de todos os cantos sentem-se felizes por pertencer a uma igreja que pode orgulhar-se, como nenhuma outra, de ter a cara do país.



“Todos os setores de nossa igreja estão envolvidos nas celebrações do centenário”, diz o pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB). A entidade, sediada no Rio de Janeiro, está à frente das comemorações, que começaram há dois anos e acontecem simultaneamente em vários pontos do país, com conferências pentecostais, congressos, cruzadas e reuniões especiais. “Estamos ainda preparando grandes festas para o ano que vem”, anuncia o dirigente. Programas especiais, lançamentos editoriais e iniciativas de resgate do passado da denominação, como o Memorial Gunnar Vingren e o Centro de Estudos do Movimento Pentecostal, marcam este momento histórico.







Avivamento – Os assembleianos gostam de dizer que sua igreja surgiu pela vontade de Deus, e é difícil duvidas disso. Berg e Vingren, jovens missionários suecos, encontraram-se em Chicago, nos Estados Unidos, durante uma conferência missionária. Lá, conheceram o ainda incipiente movimento pentecostal e aceitaram a obra do Espírito Santo. Entusiasmados para anunciar o Evangelho em terras longínquas, começaram então a orar buscando um rumo. Um obreiro amigo sonhou com a palavra “Pará”. A dupla descobriu que o lugar ficava no norte do Brasil; venderam o que tinham e foram para Nova Iorque, onde embarcaram num navio em direção à América do Sul. Eles desembarcaram aqui em 19 de outubro de 1910, espantados com o mundo novo dos trópicos. Sentados numa praça e observando tipos humanos por eles jamais vistos, encontraram um marinheiro crente que falava inglês. Ele os conduziu a uma Igreja Batista, onde após as apresentações, foi-lhes permitido dormir no porão do templo.



Ali mesmo a dupla pentecostal começou a realizar reuniões avivadas, onde se buscavam ardentemente milagres e manifestações espirituais. O “movimento estranho” desagradou os conservadores crentes locais, e logo os anglicanos, presbiterianos e metodistas começaram a pressionar a Igreja Batista, onde os missionários já tinham atraído uma pequena congregação. Convidados a se retirar, os dois iniciaram em 1911 um ministério itinerante, denominado Missão de Fé Apostólica. O grupo reunia-se em casas de família, como a de Celina de Albuquerque, considerada a primeira brasileira a receber a experiência do avivamento. “Não tínhamos intenção de iniciar uma nova igreja”, escreveria Vingren. “Queríamos apenas que outros experimentassem aquele poder”. Mas a obra cresceu e teve de ser organizada. Em 1918, tendo-o como pastor titular e Daniel Berg como auxiliar, surgia a Assembleia de Deus, nome que já havia sido adotado nos EUA e que faz alusão à comunhão de Deus com seu povo.



Os primeiros anos foram de dificuldades. Sob forte influência católica, o ambiente era hostil aos crentes. Mesmo assim, o trabalho no Pará cresceu e começou a espalhar congregações em outras localidades do Norte e Nordeste do país. Interessado em abrir uma igreja na então capital federal, Vingren transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1923. Ali, alugou um salão no bairro de São Cristóvão e montou a primeira Assembleia de Deus no centro-sul do país. “A igreja no Rio de Janeiro cresceu mais que qualquer outra no Brasil”, registrou o pioneiro. Muitos membros de outras denominações, e até igrejas inteiras, agregaram-se à AD. O primeiro batismo foi realizado na Praia do Caju, zona portuária da cidade.







Vínculo fraternal – Enquanto isso, Berg seguiu para São Paulo, iniciando o trabalho na região mais industrializada e próspera do país.Pregando uma mensagem simples, obreiros sem formação teológica, mas com intenso amor pelas almas sem Cristo, firmaram as bases da Assembleia de Deus entre as pessoas mais simples, que se adaptaram melhor ali do que nas igrejas protestantes históricas. Durante muito tempo, esse apelo popular foi traço marcante da Assembleia de Deus, originando certo estereótipo de conservadorismo, reforçado pela maneira recatada com que seus membros sempre se comportaram. A primeira Convenção Geral da AD, realizada em Natal (RN) no ano de 1930, marcou a extinção formal dos vínculos com a Igreja Filadélfia, de Estocolmo (Suécia), que colaborava com o ministério enviando recursos e obreiros. A igreja assumia perfil essencialmente nacional. Àquela altura, somente a AD, além da Congregação Cristã no Brasil, adotava o pentecostalismo – e a ênfase no batismo com o Espírito Santo, anunciado como um revestimento de poder disponível a todo crente, tornou-se uma constante nos cultos assembleianos.



“Nessa época, o trabalho desenvolvido pela Assembleia de Deus já era notório e influenciava outras igrejas, num crescimento extraordinário”, atesta Manoel Ferreira, líder da Convenção Nacional de Madureira das Assembleias de Deus (Conamad), segmento que desligou-se da CGADB nos anos 1980 e hoje tem templos no Brasil e exterior. Além desses dois grandes grupos, há muitos ministérios independentes que adotam a nomenclatura Assembleia de Deus. Como não há centralização administrativa – as convenções são entidades de vínculo rnal –, cada igreja local é livre para gerir-se a si mesma. No entanto, os pastores são vinculados às Convenções Estaduais, que por sua vez integram os órgãos nacionais.



Nos últimos tempos, diferentemente do que ocorria no passado, a educação bíblica e teológica tem sido uma prioridade da AD. Essa mudança de postura, com membros e candidatos ao ministério buscando formação cada vez melhor, é expressa no crescente número de matriculados nas instituições teológicas da denominação, como o Instituto Teológico das Assembleias de Deus, a Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus e a Faculdade Teológica, instalada em São Paulo. A Faculdade Evangélica de Tecnologia, Ciências e Biotecnologia da CGADB (Faecad) também ministra ensino secular, servindo como importante elo da igreja com a sociedade. Por sua vez, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) fornece aos fiéis e ao público cristão em geral um mix cada vez mais variado de livros, bíblias temáticas e publicações.